Hilda Hilst – Poemas Originais Selecionados
Rasteja e espreita
Levita e deleita
É negro. Com luz de ouro.
É branco e escuro.
Tem muito de foice
E furo.
Se tu és vidro
É punho. Estilhaça.
É murro.
Se tu és água
É tocha. É máquina
Poderosa se tu és rocha.
Um olfato que aspira
Teu rastro. Um construtor
De finitutes gastas.
É Deus.
Um sedutor nato.
( Hilda Hilst )
*
*
Se a tua vida se estender
Mais do que a minha
Lembra-te, meu ódio-amor,
Das cores que vivíamos
Quando o tempo do amor nos envolvia.
Do ouro. Do vermelho das carícias.
Das tintas de um ciúme antigo
Derramado
Sobre o meu corpo suspeito de conquistas.
Do castanho de luz do teu olhar
Sobre o dorso das aves. Daquelas árvores:
Estrias de um verde-cinza que tocávamos.
E folhas da cor das tempestades
contornando o espaço
De dor e afastamento.
Tempo turquesa e prata
Meu ódio-amor, senhor da minha vida.
Lembra-te de nós. Em azul. Na luz da caridade.”
( Hilda Hilst )
*
Eu não te vejo
Quando teu ódio aflora.
Como poderia
Ver teu ódio e a ti
Iludida
Por uma só labareda da memória?
Cegos, não somos dois.
Apenas pretendemos.
Devorados e vastos
Temos um nome: EFÊMERO.
( Hilda Hilst )
*
Exercício no 1
Se permitires
Traço nesta lousa
O que em mim se faz
E não repousa:
Uma Idéia de Deus.
Clara como Coisa
Se sobrepondo
A tudo que não ouso.
Clara como Coisa
Sob um feixe de luz
Num lúcido anteparo.
Se permitires ouso
Comparar o que penso
O Ouro e Aro
Na superfície clara
De um solário.
E te parece pouco
Tanta exatidão
Em quem não ousa?
Uma idéia de Deus
No meu peito se faz
E não repousa.
E o mais fundo de mim
Me diza apenas: Canta,
Porque à tua volta
É noite. O Ser descansa.
Ousa.
( Hilda Hilst )
*
Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.
Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.
Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.
Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.
( Hilda Hilst )
*
Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.
Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.
( Hilda Hilst )
*
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
(II)
Descansa.
O Homem já se fez
O escuro cego raivoso animal
Que pretendias.
( Hilda Hilst )
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9 respostas
HILDA HILST É IMAGÉTICA OS POEMAS PARECEM PEQUENOS FILMES. COMO É LINDA LÂNGUIDA E SUBLIME ESSA HILDA
Fábio, quero e estou aproveitando esse momento para dizer quão importante tem sido e visto este novo olhar sobre poetas e poesias. Sua iniciativa será para sempre lembrada. Amo Hilda e há muito buscava no site dela poemas que não encontrei como estes. Louvável esta proposta. Já tenho o selo em meu blof que não sei quanto tempo deixarão permanecer.
Um forte abraço
Mirze
A poesia de Hilda Hilst flui mansamente através de doces e coloridas palavras…
Gande poeta
Ela é maravilhosa, uma mulher fantástica. Sua produção/criação me fascinam…
Poesia é sonho
amo
E a sonoridade dos poemas! Dá vontade de sair declamando.