Augusto dos Anjos – 11 Poemas
Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera
Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!
( Augusto dos Anjos – Eu & Outros Poesias. V.1. Rio de Janeiro: Civilização/Itatiaia, 1982, p.117.)
*
Ao Luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…
Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!
*
A Obsessão do Sangue
Acordou, vendo sangue… – Horrível! O osso
Frontal em fogo… Ia talvez morrer,
Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! certamente não podia ser!
Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!
No inferno da visão alucinada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu vísceras vermelhas pelo chão …
E amou, com um berro bárbaro de gozo,
O monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhidão!
*
Solitário
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta…
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
-Velho caixão a carregar destroços-
Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
*
A Esperança
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!
*
Budismo Moderno
Tome, Dr., esta tesoura e… corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contrato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
*
Trevas
Haverá, por hipótese, nas geenas
Luz bastante fulmínea que transforme
Dentro da noite cavernosa e enorme
Minhas trevas anímicas serenas?!
Raio horrendo haverá que as rasgue apenas?!
Não! Porque, na abismal substância informe,
Para convulsionar a alma que dorme
Todas as tempestades são pequenas!
Há de a Terra vibrar na ardência infinda
Do éter em branca luz transubstanciado,
Rotos os nimbos maus que a obstruem a êsmo…
A própria Esfinge há de falar-vos ainda
E eu, somente eu, hei de ficar trancado
Na noite aterradora de mim mesmo!
*
Soneto
Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarão de morte
E Ela era a minha estrela, o meu único Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!
Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarão eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, Sírius da minha Sorte
E da Noute da vida a Vênus Redentora.
Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,
Ascende à Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!
*
Psicologia de um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
*
Soneto
A Frederico Nietzsche
Para que nesta vida o espírito esfalfaste
Em vãs meditações, homem meditabundo?
– Escalpelaste todo o cadáver do mundo
E, por fim, nada achaste… e, por fim, nada achaste!…
A loucura destruiu tudo o que arquitetaste
E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo!…
De que te serviu, pois, estudares profundo
O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho e a haste?
Pois, para penetrar o mistério das lousas,
Foi-te mister sondar a substância das cousas
– Construíste de ilusões um mundo diferente,
Desconheceste Deus no vidro do astrolábio
E quando a Ciência vã te proclamava sábio,
A tua construção quebrou-se de repente!
*
Vencedor
Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E á rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração – estranho carniceiro!
Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pode domar o prisioneiro.
Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois de um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,
Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem…
E não pude domá-lo, enfim, ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!
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51 respostas
sinestesia em sangue real
😉 Volte sempre. Tem muitos poetas dos bons por aqui.
Quanto mais leio Augusto dos Anjos, mais o admiro.
Penso em escolher Augusto dos Anjos para meu Patrono em uma Academia. Por isso peço sua biografia completa, dois ou mais textos e poesias desse autor.
Obrigada! (Sra.) Juraci Martins
Não tenho…
Se esforce um pouco e procure uma boa edição de “EU e outras poesias”, acompanhada de críticas e diversas entrevistas. A 42° edição é boa, mas o livro é bem difícil de encontrar ( é uma grande vergonha para a história deste país, pois Austo dos Anjos é o poeta mais promissor e o MAIOR que este país já viu!). A leitura de qualquer um de seus poemas me recorda imponência e a insegurança conjunta, seu livro é fundamentalmente especial para um grande apreciador de uma perfeita poesia.
Augusto dos Anjos abusa da grandiloquência… É o poeta dos adjetivos pomposos, do rebuscamento excessivo que fugia aos padrões da época… É o araujo de uma linguagem que emerge enxarcada dos subterrâneos da alma… reveloando duendes, fantasmas, sótãos interiores empoeirados… Oscilando entre os estilos de época, flerta com todas as estéticas artísticas que o precederam. Mas, por outro lado, rejeita todas as tendências, embora perpasse por todos elas. Se constrói desconstruindo o passado…
Precursor do Modernismo em nossas letras, incorpora a tradição para transmutá-la em algo inquietante, novo, ousado, absolutamente inusitado para o tempo…
Daí, talvez, a incompreensão dos seus contemporâneos…
Joel, muito boa a sua análise! Obrigado pela visita!
simplesmente triste…
por nao ser,assim.
com pensamentos tristes.
marcados até o fim.
muito lindooo
muito lindooo
Esse poeta é muito sombrio mas mostra as vezes a realidade !
ler e sentir as vezes parece esta vivendo e muito bom
eu gostei muito
nossa essas poesias sao demais muito irado!!!
isso, é a penas a realidade do mundo, mas existem pessoas que não enxergam esse lado.
amei, gostei mesmo das poesias, me fez sentir e refletir muito.
Magnifico! Augusto dos Anjos conhecido tmb por" Doutor Tristeza", ou ainda “Poeta da morte”. Com poemas fortes, negativistas e uma obsessão pela morte incrivél. Era (é) simplismente fascinante.
adorei bastante conchecer parte da obra do poeta Augusto dos Anjos, tive o primeiro contato quando li sua biografia no livro de Fernando Melo, de agosra em diante vou vasculhar mais detidamente toda sua obra.
Caro Joel, meus parabens pela análise direta e sem rodeios sobre este poeta sem precedentes na história da poesia moderna!!!
Gostei muito de conhecer a vida de Augusto dos Anjos pois é um grande autor de uma única obra Eu e outras poesias,Um autor pessimista, bastante criticado pelos intelectuais. Ele é entre todos os nossos poetas, o unico realmente moderno com poesias que pode ser comprendida e sentida como a de um contêmporaneo
A tristeza e a melancolia que me consomem as entranhas e me arrasta a um eterno desatino.
Ele é melancólico e profundo em suas palavras.
Adoro, Augusto dos Anjos, polêmico, arrojado, trata o tema morte como se sempre a tivesse conhecido.
isso e dimais e um maximo
Adoro Augusto dos Anjos, quero repassar para os amigos sua obra.
Amiga, não sabia desta tua verve… Parabéns! Gosto muito do Augusto dos Anjos. Bjs
Você tem na memória o "Versos íntimos"?
Aprendi Augusto dos Anjos com meu pai, Paulo Cardoso, deveria ter 10 anos, eu os declamei quase todos, Poeta das dicotomias, um poeta fascinante…Curto seus poemas e os declamo em eventos até os dias de hoje.
Obrigada Pedro Scalon Netto,beijinhos!
É( betinha ),Elizabeth Abreu,e também não deve saber que vou lançar um livro de poesia,luso-brasileira,muita coisa não se sabe uns dos outros quando as atribulações do dia a dia,não nos deixa livre ao convívio,mas conheces por exemplo meu livro Técnico,sim ,já o leu,quando em pesquisa..Convido você para o próximo Show de Danilo Verano trio onde declamarei Versos Íntimos de Augusto dos Anjos,beijão amiga.
É( betinha ),Elizabeth Abreu,e também não deve saber que vou lançar um livro de poesia,luso-brasileira,muita coisa não se sabe uns dos outros quando as atribulações do dia a dia,não nos deixa livre ao convívio,mas conheces por exemplo meu livro Técnico,sim ,já o leu,quando em pesquisa..Convido você para o próximo Show de Danilo Verano trio onde declamarei Versos Íntimos de Augusto dos Anjos,beijão amiga.
Ao ler Augusto dos Anjos muitas vezes é como fosse visitando em mim mesma as minhas dores e tristezas mais profundas e ocultas, mas, ao final, tudo isso se transforma em amor.
Que beleza.
Adorei. Vou copiar o poema ao luar para um trabalho da escola eu adoro poesias e parabéns!
Que bom. Bom saber que os estudantes continuam visitando este site. Abraços
Por muito tempo não teremos outro igual a Augusto dos Anjos. Um fenômeno da poesia.
Simplesmente FODÁSTICO!!!
Sou uma grande admiradora de Augusto dos Anjos e dos “Poetas Malditos”. Ele é o nosso Charles Baudelaire brasileiro.
Obrigado pela visita e pelo carinho, Valdivia!
O prazer foi meu, Fabio Rocha. Estarei sempre por aqui. Abraços. Valdivia.
Verdadeiro e real direto!
AMO OS POEMAS DE REBELDIA,CRITICA,DOR E SOFRIMENTO QUE AUGUSTO DOS ANJOS NO PRESTIGIOU,ESSE CARA VIVE NA ALMA DA GENTE,OBRIGADA AUGUSTO DOS ANJOS,COM O POEMA DO CARBONO GANHEI UM 10,OBRIGADA FÁBIO ROCHA POR ESTE CANTINHO DIVINO E MARAVILHOSO…
VERA LÚCIA.
Obrigado pelo carinho, Vera!
Por que não posta mais poemas dele?
Manda poemas digitados e com foto e referência bibliográfica que posto sim. Obrigado!
Posta Ébrio!
É, quando conheci este poeta tinha menos de 14 anos, desde então a poesia dele marcou minha vida e abriu meus pensamentos para um mundo que até então ão conhecera. Os seus versos andam dentro de uma penumbra cinzenta que nos mostram dores e sentimentos escondidos dentro de uma alma que quer se libertar e viver uma vida que breve se extinguirá. Palavras cruas e sofridas de uma realidade, que nunca poderá ser mudada.
Augusto dos Anjos morreu de uma tuberculose aos 40 anos de idade, se não me engano. O mesmo fim de Castro Alves aos 24 anos.
Um grande poeta, conheci o trabalho de Augusto dos Anjos ainda menino.
Na década de 70, eu era estudante de “Letras”. Até hoje me lembro de ouvir o professor de Literatura declamar
: ” A mão que afaga`\é a mesma que apedreja”. Hoje ao ler o poema, lembrei-me dele. Foi muito bom. Obrigada ao Augusto e, principalmente aos que se esforçam para manter viva estas pessoas tão queridas.
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